quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Irakere & Leo Brouwer - Concierto / Teatro Karl Marx / Ciudad de la Habana [1978]


Imagine o cenário: num teatro lotado do Rio de Janeiro da década de setenta, Heitor Villa-Lobos magicamente reaparece dos mortos, senta com seu violão no meio do palco e começa a tocar um chorinho sozinho. No meio da música, as luzes do resto do palco se acendem, e a banda toda entra: é A Cor do Som fazendo um arranjo quase jazzístico do mesmo chorinho. O show dura mais de uma hora, passa por elaboradas jams de música brasileira instrumental, percussões africanas, arranjos sambados de obras de Mozart, forrós conhecidos de todo mundo. Um evento desse tipo não passaria despercebido na história da música mundial.

E voltando ao mundo real, algo muito similar já aconteceu e ninguém sabe. Leo Brouwer, nascido em Havana em 1939 (vinte anos antes da morte de Villa-Lobos), é um compositor e violonista dos mais importantes para a história do instrumento no século XX. A importância que teve Villa-Lobos - no Brasil e no mundo - no repertório do violão clássico do início do século é análoga à importância de Brouwer a partir dos anos 60 e até hoje. Conhecido pelas suas obras de vanguarda, peças para violão solo e vários concertos para violão e orquestra, pouca gente sabe das (significativas) incursões de Leo na música popular - tal qual seu colega Villa-Lobos. Nas palavras de Brouwer: quem disse que uma música é popular e a outra é culta? Que uma é para as massas e a outra para as minorias? Quem disse que a música de concerto - que é a que eu toco - é elitista e a música popular é para dançar?

A principal canalização das forças de Brouwer no mundo da música popular foi o Grupo de Experimentación Sonora del ICAIC, formado no final dos anos 60 e que atingiu o auge da fama nos anos 70. Mas há também essa fantástica colaboração feita em 1978 com o Irakere. O nome irakere vem do idioma iorubá, e significa vegetação - era o nome de uma região da África cuja fama era a de ser o berço dos melhores percussionistas, que segundo alguma lenda teriam desembarcado em Cuba. Embora o grupo com esse nome só tenha se oficializado em 1973, o núcleo já existia pelo menos desde 1967, mais ou menos liderados pelo pianista Jesús "Chucho" Valdés. Eram músicos populares que não estavam interessados em música comercial. Não queriam criar um ritmo novo - como mandava o marketing para as bandas da época - que no final das contas tinha pouquíssimo de novo. O interesse deles era explorar as possibilidades rítmicas da tradição cubana e latino-americana em geral, experimentar combinações percussivas, sem tentar recriar nem criar nada: simplesmente fazer. O resultado foi um dos grupos de música latina mais empolgantes que já existiram - teriam facilmente se tornado um nome incontestável do jazz mundial (muito embora o jazz servisse apenas de base estética, mais do que qualquer coisa), se não fossem as óbvias dificuldades que um grupo cubano de músicos fiéis à Revolução tem de despontar num cenário mundial. Para a nossa sorte, tudo isso foi registrado e pode ser encontrado por quem tiver disposição.


Tracklist:

01 - Scott Joplin - Ragtime: The Entertainer
02 - Misa Negra
03 - Joaquín Rodrigo - Concierto de Aranjuez (segundo movimento)
04 - W. A. Mozart - Adagio
05 - Romance (Juegos Proibidos)
06 - Heitor Villa-Lobos - Prelúdio no. 3 [o verso do vinil erroneamente identifica a peça como sendo o Prelúdio no. 4]

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